terça-feira, 10 de dezembro de 2013

                                                                   A COR DO CRIME






                     Enquanto dirigia pelas ruas de Goiânia, João Pedro gostava de pensar em banalidades, “para espairecer”, dizia. A bordo de seu carro, quase nunca ligava o som. Ele ficava sempre atento aos barulhos externos, pois esses poderiam indicar a aproximação de alguém ou de algum perigo. “É mais fácil ouvir o guinchar dos pneus de outro veículo, ou uma buzina, ou a sirene de uma viatura ou de uma ambulância.” Confidenciava aos amigos sua técnica para um trânsito mais seguro. Sempre tentava manter uma velocidade discreta, para assim não chamar a atenção de policiais e muito menos de bandidos e era o que ele fazia naquela noite, quase madrugada, conduzindo seu veículo numa velocidade entre 40 e 45 Km/h. desta forma pôde ver, com boa antecedência, as luzes de uma blitz policial.
                “Bem, vamos ver como está o prestigio de meus irmãos”, pensou confiante, seguindo em direção ao bloqueio. Como a rua estava praticamente vazia—apenas um carro ia à sua frente e, pelo retrovisor viu os faróis de outro que o seguia a uma distância considerável— ele, então, teve certeza de que seria parado. Ligou a seta e começou a levar seu automóvel para a direita e diminuiu a velocidade ainda mais! Ainda a certa distância, viu que havia três viaturas naquela operação e as luzes de seus giroflex invadiam o interior de seu carro e seus olhos. Ao se aproximar, um policial mandou-o parar. 
                     —Boa noite, senhor. Por favor, desça do veículo.—Disse o policial, necessitando se abaixar, divido a sua avantajada estatura, segurando uma lanterna com a mão esquerda, direcionando seu facho aos olhos de João Pedro e a mão direita sobre sua arma, que ainda repousava no coldre.
                      O rapaz destravou o cinto e abriu a porta para obedecer à ordem, quando fora reconhecido:
                       —João Pedro?—Perguntou o policial.
                      —Sim.—Respondeu prontamente—E ai? Tudo bem Gonçalves?—Chamou-o pelo nome, uma vez que o conhecia também.
                     —Eu estaria bem mesmo se estivesse em casa, com minha esposa, ou pelo menos no quartel, mas você sabe como é, né? Somos como escoteiros...sempre alerta!—Disse sorrindo.
                       —Mas isto aqui é só rotina, né?—Pergunto João Pedro, referindo-se a blitz.
                       —Nada! Um “bacana” desapareceu e as ordens são para ficarmos aqui até as 06h00m da manhã...vai que o cidadão resolva passar por aqui.—Disse, coçando a cabeça, um tanto insatisfeito.     
                       —Puta-que-pariu! Agora é 01h30m! Vocês tão ferrados! Num frio desses? Cara, você tá mais branco que já é!—Espantou-se, vendo que o amigo e seus colegas sofriam com o frio, mesmo utilizando os pesados casacos do fardamento—Mas quem é o cara? Pode me dizer?—Perguntou.
                       —O nome eu não sei...não me lembro e quer saber? Nem ligo. Mas a foto dele tá aqui. Quer ver?
                       —Posso?—Perguntou interessado.
                       —Claro que sim.—Respondeu o policial, caminhando em direção a viatura, sendo seguido por João Pedro, enquanto um colega seu dava ordens para que outro aventureiro noturno parasse seu carro.—Assim se você o reconhecer, pode até me dizer o nome.
                       —É mesmo!—Concordou, olhando para o céu, procurando a lua, enquanto acompanhava seu amigo policial.
                       Caminharam alguns metros até chegarem à viatura. João Pedro estava tranquilo e dessa forma permaneceu.
                       —É este aqui.—Disse o sargento Gonçalves, entregando a foto, uma foto grande, impressa em papel ofício.—Ele é dono de uma transportadora...o cara tem grana...—Concluiu vagamente, como se aquela informação não possuísse nenhuma importância para ele.                
                       —Já vi esse cara, ele é muito conhecido!—Revelou João Pedro, após analisar a foto sob o facho da lanterna.—O nome dele é Romualdo, dono da 3R, aquela transportadora grande na saída pra São Paulo! Sabe dela?—Perguntou, como se perguntasse sobre o aeroporto ou a rodoviária, mostrando que a empresa era mesmo conhecida.


                       —Sei sim! Ela é grande pra caramba! O cara tem dinheiro mesmo, então!—Concordou o policial.
                       —Pois é...mas o que aconteceu?—Indagou João Pedro, olhando em volta e vendo que havia, naquele momento, três outros carros parados no bloqueio, não demonstrando muito interesse no desaparecido.
                       —Cara, ele parou numa padaria...—disse, praticamente se sentando sobre o capô da viatura policial, ainda assim permanecendo com os dois pés no chão—dessas que ficam abertas a noite toda sabe?—João Pedro assentiu.—Comprou alguns biscoitos, dois sorvetes...
                       —Sorvetes? Que merda!—Murmurou João Pedro, virando o rosto, interrompendo o amigo por alguns segundos.
                       —Como é? O que você disse?—Quis saber o sargento, cerrando os olhos, dando mais ênfase à pergunta.
                       —Nada não.—Disfarçou, buscando seu celular no bolso do paletó e olhando as horas.                    
                       —Então...ele comprou algumas coisas, saiu caminhando da panificadora... porém não entrou em seu carro!—Falou, fazendo um gesto com as mãos, como os mágicos quando fazem algum objeto desaparecer.
                       —Como assim?—Perguntou, desviando seu olhar, que do celular passou ao céu, indo depois para o militar.
                       —Ele simplesmente desapareceu! Uma pessoa ligou para o 190 e disse ter visto um homem colocando outro no porta-malas de um carro...um sequestro...sabe como é, né?
                       —E...?—João Pedro quis mais detalhes, se aproximando do militar.
                       —Essa testemunha disse ter presenciado o fato nas proximidades da panificadora que o “desaparecido” frequenta...
                       —E...?—Novamente João Pedro buscava detalhes e novamente interrompia o sargento e novamente se aproximava um pouco mais.
                       —Bem, isto é tudo o que nos foi passado. A testemunha disse que não sabe o modelo, nem a marca do carro em que o homem foi colocado, mas disse que era um “carrão” coreano...agora te pergunto...o cara não sabe qual o modelo, não sabe a marca, mas disse que é um coreano. Esse cara não sabe a diferença entre um fusca e um Fiat 147 e fica ai enchendo o saco.—Gonçalves parou de falar, olhou para o céu, suspirou e olhou seriamente para João Pedro.—O seu é “um carrão coreano”, isso quer dizer que você é um suspeito. O que faz na rua à uma hora destas? Por favor, senhor, abra o porta-malas...preciso verificar se não há um homem sequestrado em seu interior!


                       João Pedro gelou, ficou sem palavras e tentava a todo custo disfarçar seu espanto e ainda com os olhos arregalados ouviu Gonçalves continuar:
                       —Tá vendo, João? Que testemunha é essa? Você acha que a PM tem tempo para ficar “parando” todos os carros coreanos da cidade? Eu pelo menos não tenho tempo, paciência, idade e muito menos saúde pra isso!—O rapaz balançava a cabeça concordando, mesmo sem entender o que o amigo dizia, ou por que dizia.— E agora temos que ficar aqui, procurando por alguém que talvez esteja em um quarto de motel com alguma puta...
                       —Como assim?—Perguntou outra vez, já com o coração aliviado, percebendo que o militar apenas brincara em tom de desabafo.
                       —Cara, eu já vi tanta desculpa esfarrapada para arranjar tempo pra sair com a amante, que nem me espanto mais. Certa vez atendemos uma ocorrência em um motel. Uma mulher queria matar o marido e a amante dele...o cara até comprou passagens e pagou hotel, dizendo pra esposa que iria a São Paulo para uma reunião...mas a esposa descobriu que ele só queria um “tempinho” com a amante e quase deu morte. Se não fosse o pessoal da recepção nos chamar, ela teria matado os dois! Então não me espantaria se o nosso “desaparecido” tiver somente forjado um sequestro, pra poder passar a noite com uma vagabunda qualquer...acontece muito disso.—Disse, olhando outra vez para o céu e balançando a cabeça de um lado para o outro.—Mas e você? Como está? Tá tudo bem?
                       —Sim, por quê?—Perguntou João Pedro, sem entender o motivo da pergunta.
                       —Agorinha mesmo, enquanto conversávamos, você disse um “merda” bem nervoso! Pensei que houvesse acontecido algo ruim.
                       —Você não iria acreditar mesmo, Gonçalves!—Disse, apanhando o celular no bolso e selecionando uma foto.—Não era nada, não! Só que eu tenho que ir...gostaria de ficar aqui, até amanhecer, batendo papo contigo, sabe?...ajudando no que fosse possível—Disse sarcasticamente—mas realmente tenho que ir. Dê uma olhada nesta foto...ela tá me esperando.—Explicou-se, mostrando a foto de uma bela garota, enquanto sorria para o amigo.
                       —Cara, não perde tempo aqui, não! Vá embora logo!—Respondeu Gonçalves, batendo no ombro do amigo e se levantando do capô da viatura.—É bem provável que aqui você não consiga uma gata dessas...—gargalhou—vai lá, perde tempo comigo não!
                       —Vou nessa!—Falou, já entrando no carro.—Espero que encontrem esse filha da puta logo, pra vocês poderem sair desse frio...
                       —Cara, se encontrarem pode ter certeza que irei “encostar” em algum puteiro pra dar uma esquentada...vai lá! Ela é muito gatinha pra ficar na mão!—Concluiu, com o veículo do amigo já em movimento.
                        João Pedro saiu calmamente e antes que pudesse se ater ao volante por completo, viu numa viatura que acabara de chegar, outro amigo seu. O tenente Farias ainda não havia descido do carro policial quando João Pedro deixava o local da blitz, contudo, mesmo de dentro do automóvel, fez um sinal de positivo com o polegar direito, que foi respondido por João Pedro com um gesto como que batesse continência, que também foi visto pelo jovem soldado que conduzia a viatura.
                       —Ele é policial, tenente?—Perguntou o curioso soldado.
                       —Sim...ele é lá do sétimo batalhão...—respondeu o tenente, despretensiosamente, querendo encerrar o assunto.


 


 


                                                          


 


 



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